Heróis sem superpoderes
Os profissionais que atuam diretamente em contato com pessoas prestando serviços ou assistência, durante a pandemia do coronavírus (COVID19), como os socorristas de ambulâncias, sepultadores, policiais, bombeiros, profissionais de saúde, trabalhadores de supermercados, dos serviços de transportes, de alimentação de limpeza pública, frentistas e tantos outros profissionais que atuam em setores essenciais para a sociedade, estão expostos a uma sobrecarga de trabalho físico, mental e emocional por conta do aumento da demanda de serviço e por vezes de uma necessidade frequente de horas extras. O exercício de atividades estressantes, o excesso de trabalho e o agravante risco de contaminação pelo coronavírus, contribuem para que esses profissionais convivam diuturnamente, apesar de todo cuidado, com o fantasma da incerteza de estarem contaminados e da preocupação de contaminarem seus familiares que corretamente cumprem a quarentena em distanciamento/isolamento social.
Em todo o mundo a sociedade tem manifestado o reconhecimento pelo trabalho, empenho e dedicação dos profissionais de saúde, esse reconhecimento é muito importante, mas assim como todos nós, trabalhadores que somos, eles precisam de boas condições de trabalho1,2,3, pois em sua humanidade, sentem cansaço físico/mental e estão sujeitos a instabilidades emocionais comuns na maioria das pessoas em tempos de crise. Estudos e pesquisas1,2,3 sobre atividade laboral e fadiga, em profissionais que cumprem longas horas de trabalho e que sofrem com a privação de sono, evidenciam um declínio no seu desempenho laboral no cuidado com pacientes e atestam que o risco de acidentes de trabalho aumentam quanto maior for o tempo de privação de sono e fadiga. Pesquisas em saúde do trabalhador trazem uma valorosa contribuição para nos ajudar a compreender a complexidade do trabalho noturno e em turnos, a maioria delas apresentam em suas conclusões que melhores condições de trabalho contribuem para a saúde e a prevenção de acidentes1,2,3.
Como cuidar da saúde e prevenir acidentes ?
A principal e mais importante recomendação é priorizar o sono, ou seja, o profissional deve dormir até que se sinta totalmente descansado e para que o sono seja reparador é necessário um ambiente totalmente escuro, confortável, arejado e silencioso1,2,3. Evite o consumo de álcool, estimulantes como cafeína e energéticos, alimentos condimentados e nicotina pois eles comprometem o sono e o descanso, mas se for consumi-los considere o intervalo de 2-5 horas antes de dormir. Igualmente deve-se evitar o uso de aparelhos eletrônicos como celular, tablet, TV, videogame, computador e a exposição a luz solar ou luzes brilhantes de cor azul ou branca pelo menos 1,5 horas antes de dormir, porque o uso desses equipamentos pode estimular a vigília. Observem que depois de realizar jogos digitais ou utilizar o celular demoramos mais tempo para adormecer. Para os profissionais que trabalham no turno da noite a orientação é dormir durante 1,5 horas antes de ir trabalhar e, se possível, tirar pequenos cochilos de 15 a 30 minutos durante o trabalho pois isso ajuda a prevenir a fadiga e diminuir o cansaço3. Faça acordos com a chefia e com os colegas !
O que o profissional deve observar durante o trabalho ?
Durante o trabalho é importante que os profissionais fiquem atentos aos sinais e sintomas de fadiga que podem se manifestar por meio de alguns comportamentos físicos, comprometimento das funções psíquicas e algumas manifestações emocionais. Os sinais de fadiga física podem se manifestar como: pálpebras pesadas e/ou caídas; bocejar frequentemente; necessidade de esfregar os olhos; cabeça caindo (pescando); adormecer involuntariamente, ficar com o olhar fixo e, apresentar fala arrastada ou coordenação motora reduzida. Comprometimento das funções psíquicas se apresentam como: Dificuldade de concentração; lapsos de atenção; dificuldade para lembrar de orientações ou procedimentos de rotina e corriqueiros; diminuição da capacidade de aprender novos conhecimentos ou habilidades motoras e, apresentar pensamento comprometido no curso e/ou no conteúdo. Capacidade de avaliação de risco prejudicada e comportamentos de risco como: ingestão de bebida alcoólica durante o trabalho, uso inadequado de drogas ou remédios para se manter acordado, dirigir em alta velocidade sem necessidade e não usar equipamentos de proteção e segurança. Manifestações emocionais como: Instabilidade de humor (riso ou choro imotivado); irritabilidade e inquietude; mostrar-se mais calmo ou retraído do que o habitual; desanimo; apatia; emoções inapropriadas, como rir em situações de morte; falta de motivação (atitude “não estou nem ai”); mau humor e ansiedade. Por fim, observar se a comunicação oral e escrita esta sendo corretamente compreendida e executada para não colocar em risco a segurança do profissional, do seu colega de trabalho e da pessoa a qual ele presta serviço ou assistência. Uma estratégia para cuidar da saúde dos profissionais e prevenir acidentes no trabalho é combinar com um colega de trabalho para que se observem e cuidem um do outro. Em qualquer tempo, mas principalmente no momento atual, é essencial que o profissional reconheça o próprio limite e informe a chefia quando se sentir cansado demais para trabalhar3. O programa do NIOSH (Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional) oferece treinamento e instruções adicionais para evitar a fadiga durante situações de emergência e de necessidades essenciais para enfermeiros em trabalho por turnos e longas horas de trabalho4.
E quem tem dificuldades para dormir, o que fazer?
Para os profissionais que apresentam dificuldades para dormir o uso de recursos adicionais como técnicas de relaxamento, de respiração e meditação auxiliam nesse processo e estão disponíveis gratuitamente em muitos aplicativos de celular. As pessoas se adaptam a diferentes recursos, muitas das vezes o que é bom para uma pessoa não é para outra, por isso é interessante testar e insistir porque mesmo que demore alguns dias para se obter o resultado esperado os ganhos em saúde são compensadores.
Mas se após esse período atípico que estamos vivendo a dificuldade para dormir persistir ?
Considero importante fazer uma consulta para avaliação e diagnóstico com um profissional de saúde (médico, psiquiatra ou psicólogo) porque a privação do sono ou sono ruim pode estar relacionado com alguns problemas físicos, metabólicos e emocionais que merecem cuidado e tratamento.
E quem se sente sufocado e não consegue expressar seus sentimentos ?
Em momentos críticos algumas pessoas podem apresentar dificuldades para expressar seus sentimentos, duvidas e ansiedades, elas podem ter receio de expor suas fragilidades para os seus pares, amigos e parentes, entre outros motivos, temem o julgamento social e desta suposta “fragilidade” e na maioria das vezes guardam para si esses sentimentos e optam por não revelar seu sofrimento emocional. Nesses casos conversar com um profissional de saúde mental pode ajudar muito, atualmente algumas prefeituras oferecem acolhimento e orientação psicológica para seus funcionários, a Prefeitura de Franco da Rocha em São Paulo é uma delas, outra opção é buscar na internet sites de universidades ou sites particulares em que os psicólogos realizam atenção psicológica on-line gratuita.
E os familiares desses profissionais, o que podem fazer para ajudá-los?
As famílias que tem uma pessoa que precisa trabalhar porque a atividade dela é essencial para a sociedade, além de apoiar e dar carinho, pode e deve ajudar de maneira concreta no dia a dia, como por exemplo evite discussões e desentendimentos desnecessários; diminua ao máximo as tarefas e obrigações dessa pessoa dentro de casa para que ela possa efetivamente utilizar as horas fora do trabalho para o seu descanso; mantenha a casa e o quarto do profissional limpo e arrumado; quando ele estiver dormindo mantenha o ambiente silencioso; cuide para que ele tenha uma boa alimentação (ao cozinhar evite excesso de condimentos e comida muito gordurosa); ofereçam líquidos (sucos e água), é comum que os profissionais, na correria do trabalho, esqueçam de beber água e a desidratação pode aumentar a sensação de cansaço; ofereçam comida saudável e/ou frutas para que ele possa se alimentar adequadamente fora de casa.
E a sociedade, como pode ajudar ?
Para fazer valer os esforços dos profissionais da área da saúde podemos ajudar deixando de acioná-los desnecessariamente, um chamado indevido ou trotes pode custar a vida de outras pessoas; devemos seguir as orientações de higiene e buscar os serviços de saúde observando os critérios amplamente divulgados pelas autoridades sanitárias. O objetivo da quarentena e do distanciamento/isolamento social é prevenir o contagio, manter a saúde da população e não sobrecarregar os serviços de assistência médica, ou seja, o que se busca é evitar que muitas pessoas doentes necessitem de internação hospitalar ao mesmo tempo, o que aumentaria ainda mais a carga de trabalho dos profissionais e levaria ao colapso o nosso sistema de saúde.
No contexto atual é esperado que às vezes a impaciência e a irritação apareça nas relações interpessoais, seja com pessoas do nosso convívio ou com os profissionais essências, nessas situações busque manter o respeito e tratar com cordialidade todas as pessoas, sejamos gentis uns com os outros! Todos podemos e devemos colaborar de alguma maneira, seja cumprindo as recomendações das autoridades de saúde, seja cuidando dos profissionais que precisam trabalhar para manter funcionando os serviços essenciais para a sociedade. Independentemente das atividades desses trabalhadores, se eles utilizam ou não em seu trabalho, uniformes, capas, luvas e máscaras, o que nos remete ao imaginário do herói, todos são heróis, mas heróis sem superpoderes! A semelhança entre esses profissionais e os super-heróis esta apenas na coragem e no amor à profissão. Vamos cuidar de quem cuida da gente!
Referências:
1 Ribeiro, Emílio José Gonçalves e Shimizu, Helena Eri. (2007). Acidentes de trabalho com trabalhadores de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem , 60 (5), 535-540. https://doi.org/10.1590/S0034-71672007000500010
2 Flavio Notarnicola da Silva Borges & Frida Marina Fischer (2003) Twelve-Hour Night Shifts of Healthcare Workers: A Risk to the Patients?, Chronobiology International, 20:2, 351-360, DOI: 10.1081/CBI-120019341
3 Managing Fatigue During Times of Crisis: Guidance for Nurses, Managers, and Other Healthcare Workers. Posted on April 2, 2020 by Beverly M. Hittle, PhD, RN, Imelda S. Wong, PhD and Claire C. Caruso, PhD, RN, FAAN https://blogs.cdc.gov/niosh-science-blog/2020/04/02/fatigue-crisis-hcw/
4 NIOSH Training for Emergency Responders. The training takes approximately 30 minutes to complete.site: https://www.cdc.gov/niosh/emres/longhourstraining/default.html*.